Um “maluco beleza” no meu bar

Por Hamilton Pípoli*

Em 1974, eu com 13 anos, mais ignorante do que uma pedra, tomava conta de um boteco, na “boca do lixo”, perto da rodoviária velha de Araraquara. O “bar” era do meu padrasto. Vendia pinga Pirassunga, conhaques Presidente e Dreher e pastéis. Só isso.

Lá pelas 13 horas, de um sábado qualquer, sentou em uma das cadeiras, próxima de uma das duas mesas do boteco, um sujeito de cavanhaque. Sentou-se com as costas viradas para a rua. Pediu uma pinga e dois pastéis. Pagou adiantado, avisou que se ficasse bêbado tinha mais dinheiro nos bolsos, para eu não me preocupar. Puxou prosa comigo, que da vida sabia quase nada. Sabia apenas o meu nome, dos sofrimentos e da pobreza em que vivia com a minha família na periferia.

Proseamos a tarde toda. Ele perguntou meu nome mas não disse o dele, e eu “capiau” também não perguntei.  No boteco, quando entravam dois fregueses por dia, era lucro. Havia mais uns dez bares grandes muito próximos. Acabaram os pastéis. Ele me deu 10 cruzeiros e pediu para comprar pastéis no bar vizinho. Comprei. Continuamos conversando. Eu, até aquele dia, nunca havia visto uma pessoa tão educada e inteligente. Aprendi muito naquela tarde.

Lá pelas 19 horas estacionou um carrão preto, em frente ao bar. Desceram uns rapazes preocupados, chamando a atenção do meu freguês:

– Você sumiu! – Não deixou recado, nem no apartamento, nem na recepção. Ficou louco? O show começa às dez. Você tá fedendo álcool.

E o freguês quieto. Aí ele falou bravo:

– Cumprimenta meu amigo Hamilton. Vocês são uns cavalos! E a educação?

Os rapazes me cumprimentaram muito educados, pediram desculpas e explicaram que ele era um cantor, e que tinha que fazer um show no Gigantão (Ginásio de Esportes Castelo Branco). Perguntaram o valor da dívida. Eu disse que o moço tinha pagado tudo com antecedência. Recebi um abraço do freguês e os agradecimentos dos rapazes.

No outro dia soube que um cantor muito famoso, de nome Raul Seixas, havia feito um grande show no Gigantão.

Hoje quando lembro desta passagem, vejo como a vida é estranha. De quem aquele homem se escondia? Da Fama? De si próprio? Do mundo?

Pinga, conhaque barato, pastéis, Raul Seixas e um menino ignorante e inocente. Lá se vão quase meio século.

A antiga “boca do lixo” de Araraquara, atualmente, é um local deserto, todas as portas fechadas e os prédios em ruínas à venda.

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