Arquivo da categoria: Crônica

Um “maluco beleza” no meu bar

Por Hamilton Pípoli*

Em 1974, eu com 13 anos, mais ignorante do que uma pedra, tomava conta de um boteco, na “boca do lixo”, perto da rodoviária velha de Araraquara. O “bar” era do meu padrasto. Vendia pinga Pirassunga, conhaques Presidente e Dreher e pastéis. Só isso.

Lá pelas 13 horas, de um sábado qualquer, sentou em uma das cadeiras, próxima de uma das duas mesas do boteco, um sujeito de cavanhaque. Sentou-se com as costas viradas para a rua. Pediu uma pinga e dois pastéis. Pagou adiantado, avisou que se ficasse bêbado tinha mais dinheiro nos bolsos, para eu não me preocupar. Puxou prosa comigo, que da vida sabia quase nada. Sabia apenas o meu nome, dos sofrimentos e da pobreza em que vivia com a minha família na periferia.

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Valor do trabalho… e da vida

Hoje eu recebi uma visita que me trouxe muitas lembranças. Esteve à porta de minha casa um senhor oferecendo cartelas de especiarias. Viajei…

Marcos Massari, de 42 anos, vai de casa em casa apresentando seu produto: um kit com meia dúzia de pacotinhos com temperos. Ele e a esposa recebem uma cota desses produtos periodicamente de uma associação cristã e saem para os bairros em busca de um troco e poder levar alguma comida para casa. Uma alternativa em tempos de pandemia.

…viajei e me emocionei. Eu me emocionei ao lembrar do meu primeiro trabalho. Foi na minha infância, em Bauru/SP. Devia ter nove para dez anos. Meu pai havia levado um “tombo” profissionalmente e passávamos por dificuldades. Um de meus tios, muito solidário, me proporcionou uma oportunidade de vender especiarias. Assim como Marcos Massari, no contraturno da escola, eu saia para os bairros, de casa em casa. Pacotinho na mão e…

– Quer comprar cravo, canela, bicarbonato, pimenta-do-reino, erva-doce, colorau… (?)

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Regina Duarte, O Santo Inquérito e a dignidade negociada

A “namoradinha do Brasil” também já foi Branca, em O Santo Inquérito, de Dias Gomes, nos anos 1970. O tempo passa, o tempo voa, e a história nos mostra que não podemos confundir personagens com as pessoas reais. E mais… cedo ou tarde as pessoas reais mostram sua verdadeira cara.

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“Idiota é quem faz idiotice”

Sobre as manifestações da comunidade acadêmica em defesa da Educação ontem, 15 de maio, o Exmo Sr. Presidente da República afirmou:

— É natural, é natural, mas a maioria ali é militante. Se você perguntar a fórmula da água, não sabe, não sabe nada. São uns idiotas úteis que estão sendo usados como massa de manobra de uma minoria espertalhona que compõe o núcleo das universidades federais no Brasil — disse o presidente na porta do hotel onde ficará hospedado, cercado de manifestantes a seu favor.

Bom, o Sr. Presidente precisa saber que, por acaso, eu sei que a fórmula da água é H2O. Mas também sei que o País não terá um bom futuro sem Educação pública e de qualidade.

Portanto, se acreditar na Educação como meio de transformação social é ser militante, então eu sou um deles, porque eu estive nas ruas. Não fui pressionado, manobrado ou manipulado para estar ali. Fui na mais perfeita consciência por ter fé na Educação e esperança dos jovens. Senti ali o elevado espírito de civilidade em cada um dos participantes.

Ao parafrasear Forest Gump, “minha mãe me disse que idiota é quem faz idiotice”. Pense nisso Sr. Presidente.

Caneca, Canequinha e Canecão

Kanehiko (1916-1992), Kaneaki (1921-1972), Kenkyu (1915-1991)

Família Ijuim reuniu-se para relembrar a trajetória de seus patriarcas. Kanehiko (Caneca), Kaneaki (Canequinha) e Kenkyu (Canecão) fincaram suas raízes em Bauru nos anos 1920. Seus pais chegaram ao país há 100 anos.

A saga dos Ijuim no Brasil teve início em 1917. Ainda que o casal tenha origem em Kagoshima, extremo sul do Japão, naquele momento vivia em Okinawa, ilha a sudoeste, próxima da China e de Taiwan. Após meses cruzando três oceanos, a bordo do Wakasa Maru, Kentetsu e Haruko desembarcaram no porto de Santos, em 29 de dezembro. Acompanharam nesta longa viagem os filhos Kenkyu, então com dois anos, Kanehiko, com apenas um ano, e o irmão de Haru, Hisakiti Yamauti.

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Um dia, pensei em ser padre

Jorge Kanehide Ijuim

Um dia pensei em ser padre… era muito criança, talvez cinco ou seis anos. Admirava vê-los pelas ruas, especialmente os franciscanos, com suas batinas marrons e aquela corda amarrada na cintura, com pontas pendentes com “nós em oito”. Simpáticos, sempre paravam para conversar com crianças e, se estas tivessem sorte, ganhavam, além da bênção, um santinho. Aliás, santinho naquela época era santinho, não eram estampados com cara retocada por photoshop, nem com número ou partido.
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